CAPÍTULO 5
A lição de Delfos
Por que diante de situações difíceis certas pessoas se tornam mais fortes, mais confiantes e mais seguras, enquanto outras simplesmente desabam?
NOS DIAS QUE SUCEDERAM O NATAL DE 1991, uma coisa no mínimo estranha acontecia nas lojas que vendiam cds nos Estados Unidos. Se você, naquela época, trabalhasse numa dessas lojas, seria inevitável perceber o grande número de adolescentes trocando o cd Dangerous, recém-lançado por Michael Jackson, pelo Nevermind, do Nirvana. Qual era o problema? Dangerous era a sensação do momento. A música principal, que deu nome ao álbum, ocupava havia semanas o topo da lista das mais pedidas. Dangerous era o que parecia um presente de Natal perfeito para um adolescente, não fosse um detalhe: havia algo novo acontecendo.
Embora ainda quase imperceptível para muitos, o mundo da música estava prestes a fechar um ciclo e iniciar outro. Uma banda quase desconhecida, Nirvana, oferecia um novo estilo de rock ao mundo. Os adolescentes recebiam o cd do Michael Jackson, e iam até a loja trocá-lo pelo cd do Nirvana. Esse fenômeno foi tão intenso, que duas semanas após o Natal, Nevermind desbancou Michael Jackson do topo das paradas, assumindo a posição de hit número um por anos a fio.
Criado em 1987, por Kurt Cobain e seu ex-colega de aula Krist Novoselic, o Nirvana foi uma verdadeira revolução musical na década de 90. Em 1989, dois anos depois de sua criação, ela já era uma das principais bandas da parte oeste dos Estados Unidos. Quatro anos depois, a música Smells like teen spirit marcou o início de uma dramática e eletrizante mudança no mundo do rock’ n’ roll. Num só golpe, ela varreu dos holofotes os estilos glam metal, arena rock e o dance pop, fazendo do Nirvana a maior banda de rock do mundo. Era a vez da Geração X, com um estilo de rock mais sujo, pesado, que se tornou conhecido como grunge. Smells like teen spirit foi considerada o hino da nova geração. Kurt Cobain, seu porta-voz.
A carreira de Cobain, apesar do sucesso, foi muito curta e acabou de maneira trágica. No início de abril de 1994, Cobain, cedendo à pressão das pessoas a sua volta, se internou num centro de reabilitação de drogados, em Los Angeles. Apenas para fugir dois dias depois. O ex-baixista do Guns n’ Roses, Duff McKagan, encontrou-o no vôo entre Los Angeles e Seattle, onde os dois residiam. No decorrer da viagem, Duff percebeu que Cobain estava visivelmente desesperado. Cobain contou que havia fugido do centro de reabilitação e que não sabia mais o que fazer. “Eu senti, no fundo do coração, que algo estava errado”, Duff contou mais tarde. “Estávamos esperando nossas bagagens, e eu me voltei para oferecer uma carona, mas ele já havia desaparecido”, revelou.
O que aconteceu depois virou uma das lendas mais trágicas da história do rock. Quatro dias depois, um eletricista que instalava um novo sistema de segurança na mansão de Cobain, em Seattle, encontrou o seu corpo do músico próximo a uma estufa, no quintal da casa. Ele havia se matado três dias antes. Num trecho de uma das cartas de despedida, ele explicou os aparentes motivos do seu suicídio.
Há anos eu não venho sentindo mais excitação ao ouvir e fazer música (...). Quando estou atrás do palco, as luzes se apagam e o ruído ensandecido da multidão começa, nada me afeta como afetava a Freddie Mercury, que costumava amar, se deliciar com o amor e a adoração da multidão, o que é uma coisa que invejo nele (...). O pior crime que posso imaginar seria enganar as pessoas sendo falso e fingindo que estou me divertindo cem por cento (...). Devo ser um daqueles narcisistas que só dão valor às coisas depois que elas se vão (...). Preciso ficar um pouco dormente para ter de volta o entusiasmo que eu tinha quando criança (...). Eu não tenho mais aquela paixão, então, lembre-se: é melhor apagar de uma vez do que ir sumindo aos poucos.
Kurt Cobain tinha vários problemas. Sua vida foi marcada pela depressão, insuportáveis dores de estômago, desgastes emocionais e, para complicar mais ainda, a dependência de heroína, que ele vivia negando, mas da qual nunca conseguiu, ou quis, se libertar. A mídia não o poupava. De forma aberta e constante, desmentia Kurt, afirmando sua dependência química. Sua relação com Courtney Love, com quem teve uma filha, também não contribuiu muito. Mas será que essas são as causas reais pelo final trágico de sua vida? Se cavarmos um pouco mais fundo, será que não encontraremos outras razões para o problema de Cobain?
Poucas semanas antes de concluir o ensino médio, Cobain viu que suas notas não permitiriam que ele se graduasse e abandonou a escola. A essa altura, seus pais haviam se divorciado e Cobain morava com a mãe. Porém, já residira na casa de amigos, com parentes próximos e até mesmo na rua. Quando sua mãe soube que ele havia desistido da escola, lhe deu um ultimato: ou encontrava um emprego ou seria expulso de casa. Poucos dias depois, ele estava vivendo na rua outra vez. Para se proteger do frio, ele costumava passar as noites em salas de espera de hospitais, fingindo ser parente de algum internado.
Essa situação se estendeu até o final de 1988, quando ele finalmente conseguiu alugar um apartamento. Para ganhar dinheiro trabalhou como salva-vidas num resort na costa de Washington. Foi neste período que ele começou a banda. Em maio de 1991, num concerto em Los Angeles, conheceu Courtney Love, vocalista da banda Hole. Menos de um ano depois, Courtney estava grávida. Os dois se casaram. Cobain dizia estar muito feliz e atribuía essa felicidade a sua relação com Courtney. “Há dois meses noivei e minhas atitudes mudaram radicalmente”, ele disse, na época, em um documentário da MTV. “Não acredito no quanto estou feliz. Muitas vezes nem percebo que estou numa banda em plena atividade de tanto que eu estou cegamente apaixonado”, prosseguiu. “Sei que isso parece meio constrangedor, mas é verdade. Poderia abandonar a banda agora mesmo. Isso não importa, mas estou sob contrato”. Os fãs do Nirvana, porém, odiavam Courtney. Eles a acusavam de ter se aproximado de Kurt apenas para tornar-se famosa.
Em 1992, a situação piorou. No dia 19 de agosto, um dia depois de a filha de Cobain nascer, a revista Vanity Fair publicou uma entrevista com Courtney. Ela disse à revista que consumira heroína durante a gravidez. A notícia teve o efeito de uma bomba. Cobain ficou apavorado. Ainda na maternidade, com uma arma na mão, propôs a Courtney o suicídio duplo. Eles haviam feito um trato de que, se qualquer coisa acontecesse com a filha, os dois se suicidariam. Diante da entrevista, temiam perder a guarda da filha e Cobain queria seguir o combinado, mas Courtney conseguiu persuadi-lo a desistir da ideia. Semanas depois, o casal teve de disputar a guarda da filha na Corte. A justiça afirmava que o vício os desqualificava para assumir a paternidade. Quando a filha completou duas semanas, eles perderam a guarda. A justiça determinou que a menina ficasse com a irmã de Courtney. Depois de meses de brigas judiciais, seguidas de escândalos e humilhações, Cobain e Courtney conseguiram obter a guarda da filha de volta, iniciando um curto e raro momento de estabilidade na vida de Cobain, mas que não duraria muito.
O FATOR COBAIN
A Lei da Tripla Convergência, de que falei no capítulo 3, diz que, para obter sucesso, o propósito precisa ser construído sobre o ponto de convergência de três fatores: talento, paixão e renda. Se analisarmos essa lei no contexto histórico de Kurt Cobain, inevitavelmente chegaremos à conclusão de que ele se adequou perfeitamente a ela. Seu talento para a música era inquestionável. Nevermind, lançado em setembro de 1991, foi considerado uma obra-prima. O álbum catapultou a banda para o mainstream e transformou-a num fenômeno mundial. Sozinho, vendeu cerca de 25 milhões de cópias. Ainda hoje é considerado um dos mais importantes e influentes da história do rock.
E quanto à paixão? Cobain revelou na sua carta de despedida que não sentia mais paixão pela música. Basta ver, porém, seus clipes e suas entrevistas, para perceber que isso não era verdade. Ele era tão apaixonado por música que, além dos álbuns do Nirvana, há suspeitas de que compôs praticamente sozinho os primeiros álbuns da banda Hole, onde sua esposa era vocalista. Além disso, mesmo depois de conquistar o mundo, a banda seguiu sua enérgica carreira e lançou discos extraordinários. Todos, verdadeiras obras de arte, são aclamados mundialmente. Não há como obter tanto sucesso, sem estar apaixonadamente envolvido no trabalho. Mas, mesmo se o que Cobain escreveu fosse verdade, ele poderia simplesmente encerrar sua carreira e se envolver em algo mais excitante. Ele não o fez, porque a música era sua paixão. O terceiro fator, renda, é desnecessário falar. Nos últimos anos, Kurt faturava milhões por ano.
O que faz com que pessoas como Kurt Cobain, — apesar do seu imenso sucesso —, sejam tão vulneráveis às circunstâncias que os envolvem? Olhando de maneira superficial, no caso de Cobain, somos tentados a atribuir a causa ao uso de drogas, à vida desregrada e às distintas formas de pressão que ele sofreu. Mas com um olhar mais atento essa explicação cai por terra. Basta observar a maneira como Cobain reagia às críticas da imprensa e de seus fãs para perceber que seu problema era de estrutura. Ele era extremamente suscetível a qualquer opinião. Uma simples afirmação negativa da imprensa o atingia a ponto de querer tirar sua própria vida (e foi o que ele acabou fazendo). O problema da dependência em heroína era uma consequência da dificuldade de lidar com todas essas situações. O que aconteceu com Cobain, num sentido geral, e que pode ser chamado de Fator Cobain, foi uma espécie de perda absoluta de identidade. Sem uma identidade própria, ele passou a se agarrar nas imagens que a imprensa construía dele. Um elogio lhe dava uma sobrevida, enquanto que a crítica o desestabilizava completamente.
O Fator Cobain é um problema muito mais comum do que podemos imaginar. Lidamos com seus efeitos diariamente. Esses efeitos são os sentimentos confusos que temos sobre quem verdadeiramente somos. Em outras palavras, o Fator Cobain é a incapacidade de assumir nossa própria identidade e ignorar o discurso social que nos diz o que devemos ser e como devemos agir. Observe, por exemplo, as pessoas ao seu redor: o garçom, a atendente de loja, o vendedor de imóveis, o político, o padre, o dono da mercearia na esquina de sua casa. Todos exercem um estranho comportamento, como se estivessem cumprindo um papel completamente alheio ao que são em outras circunstâncias. O garçom, por exemplo, quando trabalha, assume movimentos rápidos. Empenha-se em encadear seus movimentos regidos pela situação. O mesmo acontece com o padre, que toma ar de seriedade quando sobe ao altar, o político que se torna simpático, a balconista que se torna amigável, sorridente. O que eles estão fazendo? Estão representando. Representando o quê? Ser o que eles não são. Essas pessoas agem de acordo com sua condição para realizá-la. O problema que chamo de Fator Cobain surge quando confundimos essa imagem com quem realmente somos. Quando isso ocorre, perdemos nossa identidade e perdemos contato com nossa essência. Quando não sabemos quem somos, temos dificuldade de lidar com tudo que se cria a nossa volta. Quando isso acontece, somos afetados por opiniões e fatos externos que assumem o controle sobre nossa vida e nos tornamos uma sombra dessas opiniões alheias.
Qual é, por exemplo, o objetivo de se cadastrar num site de relacionamentos? Encontrar uma pessoa com a qual você queira dividir sua vida, certo? Então, parece fundamental que você seja honesto desde o princípio. Mentir sobre a sua renda, aparência, peso e altura são pontos negativos. Caso você opte por negligenciar a verdade sobre essas questões, no seu primeiro encontro, você será desmascarado. Inevitavelmente, isso afetaria seu objetivo final. Tudo isso é muito óbvio, mas, como agimos na prática?
Alguns anos atrás, o economista social Dan Ariely e uma equipe de pesquisadores da Universidade de Chicago realizaram um estudo para averiguar o nível de sinceridade que as pessoas usam ao criar um perfil nos sites de relacionamentos. A equipe analisou 30 mil perfis. A descoberta foi reveladora. A maioria das pessoas que tiveram seu perfil analisado dizia ter entre 26 a 35 anos. Mais do que quatro por cento dizia que sua receita anual era igual ou superior a us$ 200 mil. Ou seja, recebiam um salário de us$ 16,6 mil, ou mais, por mês. Enquanto que outras pesquisas afirmam que menos de um por cento dos usuários de internet tem renda nesse patamar. Uma confissão clara de que no mínimo três de cada quatro estavam mentindo sobre sua renda. Os usuários também, ironicamente, eram muito mais altos do que a média das pessoas. As mulheres, em geral, pesavam 10 quilos a menos do que a média pesa na vida real.
Os números ficam ainda mais contraditórios quando tratam da aparência. Três, de cada quatro mulheres, diziam ter uma beleza acima da média. Uma, em cada quatro, dizia ser muito bonita. Quer dizer que, se você procura uma mulher com um nível de beleza médio, as chances de encontrá-la num site de relacionamento são muito pequenas. Se sua intenção é encontrar uma mulher feia, simplesmente será impossível. Suas chances de encontrá-la num site de relacionamento são de uma em cada cem.
E os homens? Apesar de não serem rotulados como vaidosos, quando se trata de autodescrição, os números não diferem muito quando comparados com os das mulheres. No quesito beleza, 67% também dizem estar acima da média. De cada dez, dois se dizem muito bonitos. Apenas um em cada cem assume que está um pouco abaixo do que é considerado um padrão de beleza médio. Numa análise geral, todos eles eram muito mais altos, muito mais ricos, tinham um estilo atlético, e também eram muito mais bonitos do que a média das pessoas da vida real. Esses dados geram uma pergunta inevitável: se eles são tão bonitos assim, será que precisariam de um site para encontrar um par?
OS TRÊS ESTÁGIOS
Em 1970, dois cientistas chilenos, Humberto Maturana e Francisco Varela, divulgaram uma teoria revolucionária sobre a cognição humana, chamada a Teoria da Cognição de Santiago. Maturana e Varela concluíram que a mesma capacidade que possuímos para imaginar coisas, criar ideias e projetá-las na construção de objetos, ferramentas, instrumentos e máquinas, também usamos para criar uma imagem virtual sobre nós mesmos. Ou seja, criamos um eu à parte, para além do que somos.
Mas por que excedemos tanto os limites da verdade na hora de criar essa imagem sobre nós? O motivo é o mesmo que usamos quando encontramos uma pessoa pela primeira vez, ou quando vamos para uma entrevista de emprego: queremos causar uma boa impressão. Para isso, deixamos de lado a realidade e apelamos para a construção do que acreditamos ser uma pessoa ideal, ou seja, alguém melhor do que nós. Isso revela um ponto crucial do Fator Cobain: se, para causar impressão, acreditamos ser necessário criar uma imagem melhorada de nós mesmos, no fundo, temos a convicção de que quem somos na realidade não é bom o suficiente.
Essa é uma constatação importante para quem pretende ter sucesso e felicidade na vida. Muitos de nós passamos a vida inteira projetando uma imagem de nós mesmos muito diferente daquilo que somos. Criamos uma imagem de como achamos que deveríamos ser e agir para sermos aceitos e admirados pelos outros. A partir dessa convicção, criamos uma imagem daquilo que acreditamos que seria uma pessoa ideal. Inventamos essa imagem na tentativa de parecer perfeitos, mas, no fundo, nos sentimos inseguros porque sabemos que, por mais perfeita que essa imagem seja, ela não é real. Esse é o segundo ponto crucial do Fator Cobain. Sabemos que não podemos atingir nossa autenticidade por esse caminho e nos tornamos vacilantes. Temos medo que, ao sermos autênticos, não sejamos bons o suficientes. Ao não ser autênticos para os outros, não somos autênticos para nós mesmos. Escondemos nossas deficiências e nossos erros. Mas, no fundo, vivemos com medo e culpa e nos sentimos arruinados. Buscamos o amor e a admiração dos outros, mas não amamos e admiramos a nós mesmos.
O ponto crucial desse processo é que, mesmo que no início tenhamos consciência de que essa imagem não é real, aos poucos, vamos ignorando esse detalhe e começamos a representar essa imagem. Sabemos que ela é falsa, mas investimos nossa energia nela, construímos toda uma estrutura para sustentá-la. Esse é o terceiro ponto crucial do Fator Cobain. Envolvidos nesse processo, nos afastamos completamente da nossa essência. E passamos a responder a essa imagem como se ela fosse real, como se ela realmente existisse. Em outras palavras, nos confundimos com essa imagem. Para facilitar a compreensão desse processo, vamos analisar cada um desses estágios com mais cuidado.
1. ESTÁGIO DA IDENTIFICAÇÃO
O primeiro estágio surge ainda nos primeiros anos da infância, quando aprendemos os conceitos básicos de bom e ruim, bonito e feio, sucesso e fracasso, inteligência e ignorância. Assim que adquirimos uma noção sobre essas distinções, passamos a analisar, comparar e rotular as pessoas. Percebemos que também somos analisados e rotulados pelos outros. Passamos a formar opiniões sobre os outros, sobre nós e sobre tudo que nos cerca. As notas no colégio nos dizem se somos inteligentes ou não; comparamos nossa aparência; buscamos nossos ídolos, e vemos o quanto eles são admirados pelo mundo. A partir de então, começamos a nos preocupar em causar impressão. Quando algo nos impressiona, passamos a imitá-lo. Quem somos já não importa mais. Queremos ser como Kurt Cobain, ou qualquer outro.
Logo, não sabemos mais quem somos. Para recuperar nossa imagem buscamos mais opiniões. Isso nos leva a ir em busca de apreciação. Precisamos ouvir dos outros o quanto nossa criação é especial, diferente. Essa busca se torna nosso foco. O que os outros dizem assume uma importância fundamental. As opiniões contam tanto porque é disso que a nossa história é feita. No lugar do nosso eu autêntico, criamos um boneco de opiniões. É esse boneco que passa a atender ao telefone, nos representar nas reuniões, frequentar a igreja e nos representar nas festas. Representar um boneco de opiniões o tempo todo é difícil, por isso, nos cansamos, ficamos frustrados, irritados, inseguros e estressados.
Todo nosso esforço se concentra em definir a imagem que queremos representar. Temos medo de que, ao sermos autênticos, ao sermos simplesmente quem somos, os outros nos considerem incapazes. Por um estranho motivo, acreditamos que quem somos não é o suficiente; e como não podemos ser quem não somos, criamos essa história sobre nós. Projetamos uma imagem abstrata e irreal sobre nós. Quando estamos identificados com nossas opiniões, nos conceituamos a partir de três fatores externos: nossas posses: sou o que possuo, minhas conquistas, meus bens; nosso corpo: sou o que pareço, o estado físico, a aparência do meu rosto, a roupa que visto. Ou, ainda, nosso status social: sou meus títulos acadêmicos, meu posto social, meu cargo.
2. ESTÁGIO DA DEFESA
Uma vez que definimos essa imagem, entramos no segundo estágio. Nele, passamos a defendê-la. Como tudo que é abstrato e irreal, essa imagem é vulnerável, frágil, sensível, altamente perecível. Ela precisa de intensa proteção.
É a manutenção dessa imagem que se torna nosso propósito. É nela que investimos nosso tempo e nossa energia. Isso nos impede de descobrir quem somos, e, por consequência, torna nossas reações imprevisíveis. São os outros que nos definem e que nos constroem. Eles são a parede contra a qual nossa imagem se manifesta. Sem eles, ela não existe.
Mesmo projetando uma imagem ideal externa, internamente, nos sentimos inferiores, vazios e ridículos. Temos a sensação que os outros sempre estão nos observando e julgando; e que, a qualquer hora, descobrirão nossa farsa. Qualquer opinião altera nossa imagem e a transforma profundamente. Quando nos preocupamos demais com a opinião dos outros, criamos inibição, artificialidade. Quando monitoramos conscientemente cada ato, cada palavra, cada movimento, agimos de maneira artificial. Nada parece estar a nosso favor.
3. ESTÁGIO DA CONSEQUÊNCIA
No terceiro estágio, sofremos as consequências de tudo isso. Ao criar uma imagem sobre nós e nos confundir com ela, nos desviamos de nós mesmos. Nossa integridade se corrompe, e a autenticidade desaparece. Para defender essa imagem criamos uma barreira opaca feita de conceitos, opiniões, julgamentos e definições que bloqueiam todas as nossas relações. Essa barreira lentamente passa a se impor entre nós e a natureza, entre nós e Deus, entre nós e os demais seres humanos e, principalmente, entre nosso eu autêntico e a imagem que temos de nós mesmos. Essa barreira cria a ilusão de que estamos numa constante competição com tudo e com todos. Por isso nos isolamos de tudo e de todos. Como consequência, sentimo-nos sozinhos e isolados. Vivemos atormentados, insatisfeitos e inseguros. A vida se torna um fardo.
Se buscarmos a ajuda de um profissional, seremos encorajados a melhorar nossa imagem com um sorriso, entusiasmo e paixão. Seremos estimulados a adotar novos sistemas, técnicas, princípios e linguagem para aprimorar essa imagem. Mas nada parece funcionar por muito tempo. Sentimo-nos vazios. Lá dentro, a voz da autenticidade não se cala. Ela sussurra constantemente coisas ao nosso ouvido. Ela quer seu espaço. Por tudo isso, sentimo-nos profunda e desnecessariamente miseráveis a maior parte do tempo.
A LIÇÃO DE DELFOS
A Fócida é uma região montanhosa do centro da Grécia atravessada pelo grande maciço do monte Parnaso. Das rochas dessas montanhas afloram inúmeras nascentes que formam belíssimas fontes de águas cristalinas. Uma delas é conhecida como a fonte de Castália. Rodeado de um glamoroso bosque de loureiros, os gregos acreditavam que as musas e ninfas costumavam se juntar ao deus Apolo em torno dessa fonte. Enquanto ele tocava lira, as divindades cantavam. Os gregos acreditavam que Apolo era filho de Zeus — o senhor supremo do Céu e da Terra. Seu reino era amplo. Ele era considerado o deus da luz, da verdade, da beleza, da música, da poesia, das artes e da profecia. O fascínio dos gregos por Apolo era tanto, que por volta do ano 600 A.C, ergueram um majestoso templo em sua homenagem. Na fachada principal do templo, encravaram a famosa máxima dos pensadores da época: “conheça-te a ti mesmo e terás a chave do universo e os segredos dos deuses”.
O Templo de Apolo tornou-se a sede do oráculo sagrado. Ele era habitado pela sacerdotisa Pítia. Pítia, ou Pitonisa, como também era chamada, era considerada dona do futuro. Suas profecias eram sagradas e sua fama vazava as fronteiras do império grego. Pessoas vindas de toda parte visitavam o oráculo na esperança de descobrir o que o destino havia reservado para elas. Durante séculos, generais buscavam conselhos, colonizadores almejavam orientação, cidadãos consultavam-no sobre a vida pessoal. No entanto, nada exaltava o interesse dos sábios tanto quanto a inscrição da fachada do templo, a grande Lição de Delfos.
Como, porém, podemos conhecer a nós mesmos? Considere isso da seguinte maneira: você pensa o tempo todo, certo? Mas alguma vez você já pensou sobre o que você pensa? Sobre o motivo pelo que pensa o que pensa? Para descobrir quem somos, temos que adquirir a habilidade de pensar, de forma deliberada, sobre o que pensamos, conhecer o motivo pelo qual pensamos o que pensamos e assumir o controle sobre nosso pensamento. Temos de desenvolver a capacidade de pensar do modo que queremos pensar, assumindo o domínio sobre o pensar compulsivo, que nos domina, e que cria essa imagem ilusória sobre um eu diferente do nosso eu real.
Apesar da tensão persistente que há entre o pensar deliberado e o compulsivo, nós temos o poder natural de pensar o que quisermos pensar, mas poucas pessoas desenvolvem essa capacidade. Escolher o que pensar exige muito mais esforço do que ter pensamentos involuntários. Deixar o pensamento se manifestar é simples, mas pensar de forma deliberada é trabalhoso e requer um autocontrole extraordinário. Não há coisa da qual as pessoas fujam mais do que manter continuamente o pensamento focado numa coisa específica, escolhida deliberadamente. Mas essa é a única forma de conhecer o “eu” que está por trás das aparências.
Pense sobre isso da seguinte forma: todos nós temos um filtro mental. Ele define como iremos reagir a cada estímulo. Esse filtro é uma forma característica de como vemos o mundo. Ele nos diz a qual estímulo reagir e qual ignorar. Qual tipo de comportamento odiar e qual amar. É esse filtro que cria a motivação em nós. Ele define como pensamos e nos força a ter certas atitudes. Ele é único. Ele controla e filtra tudo o que acontece a nossa volta, e cria um mundo que é só nosso. É esse filtro que faz com que a pessoa ao nosso lado, mesmo diante da mesma situação, aja de maneira completamente diferente da nossa, ou de qualquer outra pessoa. Quando julgamos alguém, avaliamos seu comportamento ou suas atitudes, usamos esse filtro. Também usamos o mesmo processo para julgar a nós mesmos. Esse processo não é racional, lógico ou consciente. Ele não se manifesta de vez em quando. Ele está funcionando neste exato momento, na medida em que você está lendo essas palavras. A maneira como você interpreta o que está lendo é só sua. Esse filtro define quem você realmente é. Ele é composto por seu caráter, valores, princípios e convicções. Conhecer-se a si mesmo é ter consciência de qual é o filtro que usamos para filtrar o mundo, e ter controle absoluto sobre esse filtro.
E como você consegue atingir esse estágio? Da mesma maneira como você descobre o caráter dos outros, ou seja, analisando, avaliando e refletindo sobre suas atitudes. Da mesma forma, temos que observar, analisar e avaliar a nós mesmos. Ao fazer essas análises de forma honesta, descobriremos rapidamente que não somos o que pensamos ser, que aquilo que pensamos ser são apenas opiniões a nosso respeito e que, na verdade, nós somos o ser que pensa e que manifesta essas opiniões. Dessa forma, por detrás das opiniões, nosso eu verdadeiro e autêntico se revelará cada vez mais claramente.
A VIDA BASEADA NA LIÇÃO DE DELFOS
Se analisarmos a vida de pessoas bem sucedidas, veremos que essa é uma verdade evidente. Pense, por um instante, sobre o início da carreira de Gisele. Se ela estivesse identificada com uma falsa imagem formada por opiniões, qual teria sido a reação quando falaram que ela tinha um nariz muito grande? Que seu jeito de desfilar era estranho? E se ela comparasse seu corpo com o das modelos esqueléticas que estavam no topo em 1995, como Kate Moss? Se ela tivesse uma imagem insegura sobre si mesma, como ela teria sobrevivido a oito meses de rejeição no início da carreira?
“Ouvir um não na adolescência é muito difícil”, explica Monica Monteiro, ex-agente de Gisele. “Já vi meninas fazendo muita loucura depois de ouvir um não, após terem tido certo sucesso como a participação numa novela ou numa campanha grande, e depois, ninguém as querer mais”, ela argumenta. Esse tipo de exposição tem despertado muita controvérsia na imprensa. Existem discussões legítimas sobre até que ponto é humano expor adolescentes a esse tipo de rejeição. O trágico disso tudo não é que essas meninas tenham de se expor a situações duras. O trágico é que elas não estejam preparadas para essas situações. “Algumas diziam: ela nunca vai conseguir!”, Gisele conta. “Mas eu tinha consciência de que nem todo mundo precisa gostar de mim! Algumas pessoas gostam de melancia, outras, de abacaxi. Isso não quer dizer que a melancia é mais saborosa do que o abacaxi. As pessoas têm gostos diferentes”, ela afirma.
A Lição de Delfos nos diz que o desenvolvimento pessoal requer foco em um único ponto-chave: naquilo que verdadeiramente somos. “Gisele nunca permitiu que os críticos a colocassem para baixo. Ela tem um corpo maravilhoso, mas o que realmente a fez ser o sucesso que é foi sua personalidade, a maneira como ela age, seu profissionalismo”, afirma Patrícia, irmã gêmea da modelo.
O RESGATE DA AUTENTICIDADE
Por tudo isso, uma vida baseada na Lição de Delfos é muito diferente de uma vida normal. Se Gisele ou Elizabeth Gilbert, por exemplo, sentassem ao nosso lado num avião, ao olhar pela janela, elas não enxergariam o mesmo mundo que muitos de nós. Elas têm um filtro diferente. Enquanto a maioria de nós se preocupa em causar uma boa impressão, ou em rejeitar aqueles que não causam uma boa impressão, pessoas como Gisele ou Elizabeth encantam com uma autenticidade imbatível. A autenticidade, por si só, é atraente, magnética. Ela possui um impacto poderoso e influente sobre outras pessoas. Quando entramos em contato com ela, temos a sensação de que estamos em contato com algo real, seguro. Nossa sombra, ao contrário, transpira insegurança e instabilidade.
Você já se perguntou, por exemplo, por que gostamos tanto de crianças? Não é pelo que elas possuem. Nem pelo que sabem, mas é puramente pelo que elas são. Elas não tentam causar impressão, elas não tentam representar, não existe superficialidade, segunda intenção ou interesse. Por isso, a melhor maneira de causar uma boa impressão é não tentar causar impressão alguma, mas ser exatamente quem somos. Todos nós temos essa criança trancada dentro de nós, ela é nossa autenticidade.
UM ERRO FATAL
Por que a única forma de descobrir quem somos é observar nosso pensamento e assumir controle sobre ele? A resposta é muito simples. Suponha que você esteja numa sala de cinema. À sua volta, está tudo escuro. Nada lhe distrai. Toda sua atenção está focada na enorme tela à frente. Nas cenas que seguem, o herói do filme está prestes a cair na armadilha preparada pelo vilão. Você fica ansioso. Torce para que o herói não faça o que está prestes a fazer. Você está tomado de angústia. Revolve-se no assento. “Não... não...!” pensa, quase em voz alta. Mais à frente, alguém ainda mais empolgado joga pipocas contra a tela e grita: “Não faça isso! Você vai se ferrar!”
A cena passa. O seu herói, no último instante, decide seguir o caminho oposto. Pelo menos por enquanto, se safou da armadilha. Você relaxa. Distrai-se. Olha para os lados, depois para o alto. Por sobre o público, percebe a luz do projetor cortando o vazio da sala. Você volta o rosto. Segue a luz até o projetor. Num momento, toda empolgação desaparece. A história do filme agora lhe parece menos real. Você sabe que, por mais que tentasse, por mais que jogasse a cadeira na cabeça do personagem, você não conseguiria mudar o roteiro do filme. A história já está programada, editada, pronta, e cada vez que você repetir o processo, o resultado será o mesmo. A única forma de alterar as imagens que aparecem na tela é alterar o filme que está sendo rodado no projetor.
Na vida real, acontece a mesma coisa. Na maioria das vezes, insistimos em tentar mudar as imagens da tela sem mexer no filme. Quando tentamos mudar nossa imagem externa, ao invés de mudar o eu, é como quando tentamos mudar as imagens na tela do cinema, jogando pipocas ou alertando o personagem do perigo. Olhamos para as imagens que projetamos sonhando que, um dia, elas se tornarão mais coloridas, mais reais. Assumimos uma atitude mais positiva e saímos decididos a mudar. A primeira pessoa que encontramos na rua olha para nós e exclama: Puxa, você engordou! E nossa imagem é extremamente afetada.
No momento de escolher uma profissão, esquecemos nosso talento. Olhamos para o mercado, tentamos descobrir o que dá dinheiro, o que nos traz segurança. Olhamos as imagens que temos a nossa frente e esquecemos o que existe dentro de nós. Mais tarde, quando tudo parece artificial em nossa vida, quando nada parece fazer sentido, fazemos um esforço intencional para tentar consertar as imagens.
Porém, da mesma forma como não é possível mudar as imagens da tela sem mudar o conteúdo no projetor, não é possível fazer grande mudança na nossa vida, se estivermos iludidos sobre quem somos. Não existe mudança nos efeitos se não mexermos nas causas. A insatisfação não pode ser tratada com analgésicos, ela precisa ser curada na fonte. Precisamos mexer nos fundamentos.
O FATOR COBAIN VERSUS A LIÇÃO DE DELFOS
Em dezembro de 2006, Gisele conheceu um jogador de futebol americano chamado Tom Brady. Os dois, tanto Gisele como Brady, vinham de relações frustradas. Ela terminara havia menos de um ano um namoro com Leonardo Di Caprio que, entre idas e vindas, já durara quase cinco anos. Tom Brady havia rompido poucos meses antes uma relação de três anos com a modelo e atriz Bridget Moynahan.
Gisele e Tom se conheceram por meio de um amigo. A reação foi mutua e instantânea. “No momento que ele olhou para mim, ele sorriu. E eu pensei: esse é o sorriso mais lindo e carismático que eu já vi! Naquele dia, conversamos durante três horas. Eu tive de ir, mas não queria sair do lado dele. Depois desse encontro, não deixamos de nos falar um único dia”, contou Gisele. Os dois passaram a se ver seguidamente e logo assumiram o namoro.
Dois meses depois, em fevereiro de 2007, a ex-namorada de Tom Brady contou à People Magazine que ela estava grávida de três meses e que Tom Brady era o pai. Foi um choque. “Você está vivendo o começo de uma verdadeira fantasia romântica; algo tão bom que você pensa: isso é tão legal que parece não ser verdadeiro, e então, ups... você acorda do sonho com um susto!”, ela conta. Gisele e Tom estavam namorando há dois meses e meio quando receberam a notícia. Foi uma situação muito desafiadora. “É óbvio que, no início de uma relação, essa não é a notícia que a gente quer receber”, ela diz. Apesar de todo desconforto da situação, o casal permaneceu junto, solidificou a relação e, em 2009, casaram.
Por que Gisele se sobressai em situações onde muitos falham? Existe uma maneira fácil de desvendar esse enigma e já falei sobre isso, ou seja: basta observar o filtro através do qual ela olha as circunstâncias. “Nós nos dizíamos: o que nós podemos aprender com isso? Qual é a coisa positiva que podemos tirar dessa situação?”, Gisele contou, referindo-se ao momento vivido com a gravidez de Bridget. “Nós dois crescemos muito. Em todas as situações, há algo de bom, de positivo; é apenas a forma como você olha para a situação. Tudo que vale a pena tem seu preço. Para tornar-me uma modelo, eu tive de deixar minha família ainda quase criança. Você pensa que eu gostei disso? Não. Mas a vida exige sacrifícios.”, ela completou.
A intenção desse livro não é criar um mito em torno da modelo Gisele Bündchen. Ao contrário, a intenção é desmistificar seu sucesso e sua felicidade, constatando coisas óbvias em sua maneira de agir, e ver quais os resultados que elas geram. Ao longo do livro citei vários exemplos da singularidade de suas atitudes. E todas elas têm uma coisa em comum: a simplicidade. Em nenhum momento, Gisele teve de mudar o mundo, fazer coisas paranormais para alcançar seu propósito. Em nenhum momento, ela alterou seu comportamento, suas opiniões, sua conduta para agradar outras pessoas. Tudo o que Gisele fez, em todas as situações, foi focar-se em seus princípios pessoais, buscando respostas dentro de si. Em todos os casos, tanto os de glamour como os desafios, ela preservou sua autenticidade. Isso também pode ser notado nos outros exemplos que utilizei até aqui. Pense na história de Sylvester Stallone, Elizabeth Gilbert, Madre Teresa e Albert Einstein. Todos eles mantiveram o foco voltado para dentro de si. Todos seguiram a Lição de Delfos. Com Kurt Cobain, no entanto, foi o contrário.
Alguém, talvez, argumente que a diferença entre Cobain e pessoas como Gisele são as distintas circunstâncias em que os dois nasceram. Cobain teve a infelicidade de nascer numa situação adversa em muitos sentidos. Gisele nasceu numa família muito bem estruturada. Se acreditarmos nisso, estaremos afirmando, em termos mais simples, que o sucesso está estruturado em fatores alheios a nós, como a sorte de nascer em determina das circunstâncias. Se você acredita nisso, o que dirá de pessoas como Sylvester Stallone? O erro do Fator Cobain é justamente esse: entregar sua vida a circunstâncias alheias ao seu controle. É dessa entrega que surgem os sintomas destrutivos como medo, angústia, insegurança e desespero.
Apesar disso tudo, temos uma tendência muito forte de acreditar em argumentos ou circunstâncias como sorte. Existe algo em nós que nos faz crer que a resposta para questões como: “por que ele conseguiu e eu não?”, necessariamente, precisa ser complicada, além da nossa compreensão. Acreditamos que, para ter sucesso na vida, precisamos derrotar a competição e vencer o mundo. Mas não é verdade. A Lição de Delfos nos impele a olhar o mundo de uma maneira diferente, tudo o que precisamos é vencer a falsa noção que temos sobre nós mesmos.
Ao logo desse livro, falei muito sobre individualidade, e isso tem uma razão: nós somos o único obstáculo a ser vencido na busca da nossa realização, e essa é a contribuição da Lei de Delfos. Na vida, há problemas e crises inegáveis. A vida de Gisele, por ser uma celebridade, nunca foi simples, nem descomplicada, e ela nunca esperou que fosse diferente. “A vida em si é um desafio”, ela confessa, apenas para, em seguida, se justificar. “Mas são justamente os desafios que nos fazem crescer”.
Aqui, então, está a explicação por que Gisele consegue conviver com a pressão e Kurt Cobain não conseguiu. Gisele construiu sua imagem a partir de suas próprias opiniões. Cobain construiu uma identidade a partir da opinião dos outros. Ele era sensível, frágil e altamente afetado pelas circunstâncias a sua volta. Essas circunstâncias alteravam a percepção que ele tinha de si mesmo. Gisele, por sua vez, não importa o que aconteça a sua volta, age como se isso fosse uma circunstância, que, embora muitas vezes represente um desafio, pode fortalecê-la ao invés de destruí-la. Em outros termos, quando acontecia alguma coisa negativa na vida de Cobain, ele olhava para o mundo e dizia: o que a mídia fará de mim? Quando acontece algo negativo na vida de Gisele, ela olha para dentro de si e se pergunta: “o que eu posso fazer disso?” Em suma, o que distingue as pessoas que alcançam seus objetivos e as outras que fracassam não são os fatos e as circunstâncias que as envolvem, mas a maneira como elas lidam com eles. A diferença entre as pessoas que se fortalecem com a crise e aqueles que sucumbem é que os primeiros constroem sua personalidade de dentro para fora e os outros, de fora para dentro.
INVERTENDO O PROCESSO
Numa forma mais genérica, a Lição de Delfos, então, nos diz que é preciso construir a vida de dentro para fora, e não de fora para dentro. A busca pelo autoconhecimento revela nossa essência e nos fornece o fundamento, a base da qual extraímos o conjunto de características que nos habilitam a seguir nosso talento, nossa paixão e elaborar uma propósito específico que nos dê foco e energia para desenvolvermos nossa realização profissional.
Se olharmos o sucesso dessa maneira, como um processo de dentro para fora, e não de fora para dentro, é possível compreender por que algumas pessoas têm uma influência tão grande sobre o mundo que as cerca. Essa influência vem da sua autenticidade. Essas pessoas vivem num mundo complexo, mas não complicado. Complexo, porque estão em meio a inúmeras circunstâncias que as afetam. Descomplicado, porque elas têm o poder de agir sobre as circunstâncias, não permitindo o contrário. E esse poder lhes é dado pela Lição de Delfos.
A chave para mudar nosso comportamento, em outras palavras, está em pequenos detalhes como o filtro através do qual olhamos para as mais diferentes circunstâncias. Se o seu filtro for a Lição de Delfos, você olha para dentro de si, analisa e avalia seus pontos fortes e seus pontos fracos. Aceita ambos, lida com eles com naturalidade e, a partir deles, cria uma imagem fundamentada sobre o que ocorre. Você sabe onde está seu potencial e se sente seguro em relação a ele; também sabe seus pontos fracos e, por isso, sabe como lidar com eles. Não tem nada a esconder, nem precisa. Nada poderá lhe surpreender. Você se sente seguro porque sua imagem tem bases sólidas. As opiniões, não lhe afetam.
Se seu filtro, no entanto, for o Fator Cobain, a ameaça de ser desmascarado, de ser destruído, será constante e você precisará usar toda sua energia, o tempo todo, para preservar sua imagem virtual. Toda exposição será uma ameaça e seu foco, a defesa dessa imagem. A Lição de Delfos o estimula a inverter esse processo, descobrir o real que há dentro de você e construir sobre ele. A exposição, que no Fator Cobain é uma ameaça, na Lição de Delfos se torna uma oportunidade. Você quer que descubram quem você é, porque a exposição mostrará sua singularidade, e é nessa singularidade que está nosso valor.